17 de abril
 



Contos

17 de abril

Sabrina Sayuri Okada


Nunca vi um relógio aqui, e nem uma noite. Acho que é sempre dia. De vez em quando, sinto cheiro de grama molhada, de praia ou de chocolate. Tem sempre alguém disposto a brincar, contar uma história ou cantar uma música. Vários cachorrinhos ficam correndo e abanando o rabo dia inteiro. Lembra que você me disse para não deixar cachorro lamber minha boca? Aqui não tem problema. Hoje eu percebi que vários bilhetes de papel dourado estavam espalhados em volta de mim. Eu comecei a abrir, e li muito rápido, vocês não iam acreditar.

Tinha muita coisa legal. Um “eu te amo” que você mandou para mim, um cafuné do papai, beijos da vovó e do vovô e um abraço bem apertado da titia. Tinha um bem confuso, com uma letra esquisita, mas sei que é do meu irmão. Sempre recebemos o amor que é enviado para nós, das pessoas que estão aí. Mas dessa vez foi diferente, e esses papeizinhos brilhantes apareceram.

Quando me dá saudade, eu vou espiar vocês. Tem um lago aqui que parece uma tela, igual ao meu Tablet, você consegue ver imagens quando coloca o dedo na água. Eu vejo vocês sentados na sala enquanto a vovó lava a louça. Meu irmão comendo leite condensado direto da lata e tomando refrigerante. A minha tia olhando ele de boca aberta e olhos regalados. O vovô assobia aquela música que eu conheço e ela fica na minha cabeça, mas eu não lembro o nome.

Quando eu falo que amo vocês, conseguem me ouvir? Acho que sim. Uma moça que mora aqui me disse que vocês escutam com o coração. Não sei se entendi direito, mas não quis perguntar de novo porque ela é tão legal. Não quero que ela pense que não sabe explicar as coisas ou que eu sou burro.

No dia que eu cheguei, o papai me explicou que todos aqui me amam também. Enquanto espero vocês, a gente estuda, aprende um monte de coisa. Sente saudade, mas nunca tristeza.

Abrir esses pacotes é o jeito que se comemora o aniversário de um anjo. Pode parar de chorar no dia 17 de abril.

Tem uma árvore torta logo depois de uma ponte cor de rosa, no lago que eu te disse que parece um Tablet. Eu caminho todos os dias até lá porque sempre ouço a sua voz: “Você era maior que esse mundo, e nasceu merecendo o céu”. Tem bastante gente mais alta que eu aqui, na verdade. E ainda não conheci alguém que chamasse Céu. Mas agora eu tenho que ir, se não, vou ficar por último na fila do algodão doce.

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Sabrina Sayuri Okada nasceu em 1989 no interior de São Paulo. Iniciou sua carreira atuando no Teatro. Já produziu e participou de programas de TV e Rádio, escreveu reportagens para revistas e tem experiência em áreas administrativas e comerciais. Hoje dedica-se ao estudo da Escrita Criativa e História. Acredita que a preservação do meio ambiente, a valorização de experiências ao invés de coisas, o feminismo e o amor universal irão fazer do mundo um lugar melhor. É apaixonada por tudo que canta, dança e conta uma história.

 

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